A Câmara dos Deputados aprovou em 1° turno a PEC 186/2019 nesta quarta-feira (10). Depois do texto base ter sido aprovado ainda na madrugada, a votação de destaques e emendas se estendeu por todo o dia. O presidente da Casa, o deputado Arthur Lira (PP-AL) planeja realizar a votação em 2° turno, necessária em razão de ser uma proposta de emenda à Constituição, nesta quinta-feira (11).
A PEC 186, também chamada de PEC Emergencial, é um brutal ataque que impõe um valor de auxílio emergencial muito menor, por menos tempo e para menos pessoas. O texto estabeleceu um teto de apenas R$ 44 bilhões para pagamento do benefício. Na prática, isso inviabiliza que haja uma nova rodada de pagamento no valor de R$ 600 para os brasileiros que estão sem emprego e renda nesta pandemia.
O número de parcelas, o valor e os critérios para receber o benefício vão depender da aprovação de outra proposta a ser enviada pelo governo ao Congresso, mas, na prática, com o teto, a previsão é que benefício deverá ficar em três parcelas no valor entre R$ 175 e R$ 250.
Um valor totalmente irrisório diante da atual crise econômica e social instalada no país. Em 2020, cerca de 69 milhões receberam o benefício. Destes, 56 milhões de brasileiros tiveram o auxilio como única fonte de renda.
Mais arrocho e ataques aos serviços públicos
O discurso do governo Bolsonaro e do Congresso para aprovarem essa a PEC é de que ela seria necessária para garantir uma nova rodada do auxílio emergencial. Mas isso não é verdade.
Bolsonaro poderia ter editado uma Medida Provisória e solicitar crédito extraordinário e manter o auxilio de R$ 600. Mas não fez e encaminhou esta PEC que rebaixou o auxílio e aprofunda o ajuste fiscal no país para desviar recursos públicos ao setor financeiro, através do pagamento da Dívida Pública.
O texto cria mecanismos de ajuste fiscal para a União, estados e municípios, impondo mais arrocho e cortes em investimentos em áreas essenciais e ataques aos servidores, que afetarão diretamente a população que mais precisa dos serviços públicos.
O governo tentou incluir um dispositivo para acabar com a obrigatoriedade de investimentos mínimos pelos governos nas áreas da Saúde e Educação. Mas a absurda proposta não conseguiu apoio e acabou ficando de fora já na votação do Senado, na semana passada. Contudo, os recursos para a Saúde, Educação e outras áreas sociais seguem ameaçados.
A PEC proíbe a realização de concursos públicos; concessão de aumento de salário a servidores; criação ou prorrogação de auxílios, bônus, abonos, inclusive os de cunho indenizatório; criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa.
Fica proibido também a criação de despesa obrigatória, o que incluiria, por exemplo, aumento real para o Salário Mínimo e benefícios previdenciários ou investimentos no SUS.
A PEC libera ainda a venda de ativos o que, na prática, significa mais privatizações e entrega de patrimônio público.
Ao longo do dia, dois pontos polêmicos acabaram sendo retirados após negociações dos parlamentares. Um deles é o que impedia promoção e prorrogação de carreira de servidores. O mecanismo teve forte reação da categoria de policiais e agentes de segurança.
Outro ponto da PEC desvinculava recursos de vários fundos constitucionais, ligados à Educação, Ciência, Meio Ambiente, fiscalização da Receita Federal, entre outros. Na prática, significaria a extinção desses fundos e perda de recursos para as áreas. Auditores fiscais da Receita chegaram a anunciar paralisação, pois consideraram a medida como uma tentativa de fragilizar o órgão e os Fiscos estaduais e municipais. O artigo também acabou caindo ao longo do dia.
Submissão ao sistema financeiro
Segundo a Auditoria Cidadã da Dívida, em diversos dispositivos da PEC 186 está explícito o privilégio da chamada Dívida Pública sobre todos os demais gastos e investimentos orçamentários, invertendo completamente a lógica da Constituição.
“Para cumprir o ajuste fiscal e a meta de superávit fiscal de pelo menos 5% das receitas correntes, que passam a constar expressamente do texto constitucional, os gastos necessários ao desenvolvimento socioeconômico, ao atendimento aos direitos sociais e à manutenção do Estado terão que ser cortados e ativos públicos serão vendidos, tudo isso para que sobrem mais recursos para o pagamento da chamada Dívida Pública”, afirmou a coordenadora nacional da ACD Maria Lúcia Fatorelli.
Lujan Miranda, especialista em Direito Constitucional e coordenadora do Núcleo Capixaba da Auditoria Cidadã da Dívida também afirmou, em artigo, que a prioridade do governo é o chamado ajuste fiscal, que passa a fazer parte da Constituição Federal e coloca a dívida pública acima de qualquer direito constitucional.
“Ou seja, faça chuva ou faça sol, por mais urgentes que sejam as penúrias sociais, com ou sem pandemia, com ou sem crise, as necessidades da população não estarão em primeiro lugar (…) “A submissão aos banqueiros é tanta, que queriam acabar com a obrigatoriedade da destinação do percentual de recursos para a saúde e educação. A reação foi geral e eles retiraram. Essa turma não dá ponto sem nó. Retiraram o que está amarrado de outro modo em outros pontos da PEC. A saúde e a educação correm sérios riscos”, afirmou.
A Auditoria Cidadã da Dívida revela que há recursos que poderiam garantir o auxílio emergencial, sem qualquer necessidade de cortar gastos nos serviços públicos.
Há quase R$ 5 trilhões em caixa da União, sendo R$ 1,289 trilhão na conta única do Tesouro Nacional, R$ 1,836 trilhão em reservas internacionais e R$ 1,393 trilhão de sobra de caixa dos bancos parados no Banco Central, rendendo juros somente aos bancos à custa do povo. Além disso, houve superávit de mais de US$ 50 bi na balança comercial em 2020. Sem falar na alternativa de taxar os mais ricos que não pagam impostos e na suspensão do pagamento da ilegal Dívida Pública, que nunca foi auditada e é criada por meio de mecanismos fraudulentos.
Fonte: CSP – Conlutas – texto atualizado 11 de março, às 9h
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