Seminário do ANDES-SN debate Orçamento e Educação

Orçamento público. Sistema da dívida pública. Crise financeira. Histórico do financiamento da educação pública no país. Esses foram os temas centrais abordados pelos palestrantes da segunda mesa de debate do Seminário Internacional do ANDES-SN, na tarde desta quarta (10). As diretoras da ADUEPB, Maurine Freitas e Lenilda Macedo participam do evento representando a entidade.
Maria Lúcia Fatorelli, da Auditoria Cidadã da Dívida, iniciou sua fala abordando como é constituído o sistema da dívida pública no mundo e no Brasil. A auditora explicou que a principal característica do sistema da dívida é a ausência de contrapartida.  Citou como exemplo o salvamento dos bancos europeus na crise de 2008. As entidades financeiras foram resgatadas sem ter que oferecer qualquer retorno.
Fatorelli detalhou o financiamento da dívida pública brasileira. Mostrou que o pagamento de juros e amortizações, em 2018, “abocanhou” R$ 1,065 trilhões dos gastos federais. O montante representa 40,66% do orçamento executado pela União. Enquanto isso, Educação recebeu apenas 3,62% do orçamento executado, que ano passado foi da ordem de R$ 2,621 trilhões. A Previdência Social, por sua vez, ficou com 24,48%, que foram destinados à mais de 100 milhões de brasileiros.
A auditora denunciou que o governo vem contabilizando os juros da dívida como amortização, o que permite ao Banco Central emitir títulos para o pagamento. Com isso, a percepção que se tem é que os juros são pequenos enquanto a amortização, gigantesca. “Isso burla o artigo 167, inciso 3 da Constituição que impõe limite para a emissão de títulos apenas para despesas de capital e proíbe a emissão para pagamento de despesas correntes como educação, saúde e também os juros da dívida”, contou. Isso é o que ela denomina de privilégio da dívida.
“Por que a dívida tem esse privilégio? Como se não fosse legítimo contratar dívida para investir e educação, saúde, ciência e tecnologia. Mas vivemos hoje um modelo de priorização do sistema financeiro”, acrescentou.
Maria Lúcia discorreu também sobre como, a partir de 2015, o Banco Central passou a receber depósitos voluntários dos bancos, pagando uma taxa básica de 14,25% de juros. Com isso, houve uma retirada de capital de giro do mercado. Ou seja, as empresas ficaram sem acesso à crédito, pois o dinheiro, cerca de R$ 1 trilhão, estava aplicado no Banco Central.
“O que vocês acham que aconteceu com as empresas sem capital de giro? Isso gerou um efeito cascata na economia. Agora, imaginem o que seria da economia brasileira se fosse irrigada com esse R$ 1 trilhão. A crise que vivemos foi criada. Exatamente para justificar todos os ataques que vivemos desde então. Justifica o ajuste fiscal, os contingenciamentos do orçamento da saúde, da educação, da ciência e tecnologia. Fazer a Reforma Trabalhista, aprovar a Emenda Constitucional 95. Agora, na EC 95 do Teto dos Gastos, limita gasto para todas as políticas sociais, mas não limita para a dívida pública”, explicou.
“A nossa crise, diferente de outros lugares do mundo, veio da com a quebra de indústrias, que não tinham financiamento dos bancos. Com isso, aumenta o desemprego, quebra economias locais e chegamos onde estamos hoje. Essa crise fabricada justifica as medidas restritivas”, reforçou.
Além da crise, Fatorelli avalia que também vivemos, no país, um cenário de escassez produzido pelo modelo econômico vigente. Segundo ela, o Brasil é uma nação extremamente rica, detém, por exemplo, a maior reserva de nióbio do mundo.
“Precisamos tornar isso o mais público possível. As pessoas precisam conhecer a realidade para poder lutar contra ela. Precisa conhecer o sistema da dívida, o modelo tributário e a política monetária, para poder questionar e saber que pode ser diferente”, concluiu.
Financiamento da educação pública
Partindo dos elementos apresentados, o docente da USP, Otaviano Helene, abordou o financiamento da educação pública. Ele fez um resgate do Tratado de Maastricht, ou Tratado da União Europeia, assinado em 1992, que estabeleceu que as nações deveriam destinar ao menos 50% do PIB para gastos públicos. E não poderiam assumir um déficit orçamentário maior que 3% do se seu PIB.
Comparou, então, esses dados com a realidade brasileira, que destina somente 32% do seu PIB para gastos da União, como Previdência (12%), Educação (5%), Saúde (4%), entre outros.
“Ou seja, o setor público gasta muito menos do que deveria gastar para atender adequadamente as questões básicas da população”, afirmou.
Helene lembrou que durante a ditadura civil-militar, investia-se somente 22% do PIB com gastos da União. Nessa época, aplicava-se menos de 3% do PIB em educação. E a média de jovens que concluíam o ensino médio era cerca de 20%.
Com a redemocratização do país, uma série de direitos como o Benefício de Prestação Continuada (BCP), aposentadoria rural entre outros. O índice de conclusão no ensino médio subiu, sendo hoje cerca de 60%.  Com isso, o Estado passou a aumentar a arrecadação, pois aumentou seus gastos. E o percentual do PIB destinado a gastos da União passou a 32%.
“Passamos de um patamar de 3% a 5% para a educação. Isso é suficiente? Creio que seja para o modelo precário que temos hoje. Mas para termos uma educação que garanta a soberania do país, que seja inclusiva para que os sujeitos possam se integrar de forma autônoma e que permita a formação de quadros necessários para a demanda do país precisamos de muito mais”, comentou.
Ele ressaltou que o Brasil hoje está entre uma das nações mais atrasadas em termos educacionais na América do Sul. Segundo ele, enquanto a taxa de matrícula no Ensino Superior na Venezuela, Uruguai, Chile e Equador é superior a 60%, no Brasil está em 40%.
“Nenhum país superou seus atrasos educacionais com tão pouco dinheiro. Por isso, já na década de 80, reivindicamos 10% do PIB para a Educação no Plano Nacional de Educação da Sociedade Brasileira, do Fórum em Defesa da Escola Pública”, contou.
Ele relembrou que o percentual de 10% do PIB foi definido com base no quanto os países que estavam superando os problemas educacionais estavam investindo. Estabeleceram uma meta de 10 anos para a aplicação desse percentual.
“Ou seja, gostaríamos de estar, dez anos depois, onde estavam aqueles países naquele momento. Não era nenhum objetivo absurdo. Primeiro, deveríamos universalizar a educação fundamental, depois o ensino médio e depois o superior”, detalhou.
A proposta formulada por várias entidades, entre elas o ANDES-SN, foi apresentada rejeitada pelos sucessivos governos. Já no governo Dilma, em 2014, conseguiu-se aprovar o percentual de 10% para a Educação. No entanto, não será destinado exclusivamente para a educação pública, como reivindicam os movimentos.
“10% do PIB não irão para os gastos públicos com educação. Inclui subsídios para o setor privado, como o Sistema S, para o Fies, que não é gasto é empréstimo, pois o dinheiro retorna. Ou seja, ainda estamos com 5% para a educação. E há um movimento para reduzir esse percentual, como a Emenda Constitucional 95, que limita os gastos federais. Essa é uma disputa em longo prazo, que afeta não só o orçamento federal, mas também dos estados e municípios”, concluiu.
Após as explanações, os participantes puderam fazer perguntas e exposições. O debate foi mediado por Emerson Duarte, 2º vice-presidente da Regional Norte II.
Seminário Internacional
Com tema central “Universidade, Ciência e Classe em uma era de crises”, o evento ocorre na quarta (10) e quinta (11), no auditório da Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (Adunb – Seção Sindical do ANDES-SN). A realização do Seminário Internacional é uma deliberação do 38º Congresso do Sindicato Nacional.
Confira a programação:
DIA 10
09h00 – Ciência, Tecnologia e Capital: a “Caixa Preta” da inovação.
Francesco Schettino. Docente do departamento de jurisprudência da Universidade da Campânia, em Nápoles, na Itália. Estuda temas como economia e desigualdade social.
Osvaldo Coggiola. 2º vice-presidente da Regional São Paulo do ANDES-SN. É docente do departamento de história contemporânea da Universidade de São Paulo (USP). Estuda temas como marxismo, América Latina, movimento operário, capitalismo e socialismo.
14h00 – Orçamento Público e Financiamento da Educação Superior
Maria Lúcia Fatorelli. Economista e Auditora da Receita Federal. É coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida Pública. Foi uma das responsáveis pela auditoria da dívida pública do Equador.
Otaviano Helene. Professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP). Foi presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep). É autor do livro “Um Diagnóstico da Educação Brasileira e de seu Financiamento” (ed. Autores Associados, 2013), entre outros.
18h00 – Dívida Pública e Usura Financeira
José Menezes Gomes. Docente do curso de economia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Atua na área de Teoria Econômica, especialmente nos seguintes temas: crise capitalista, imperialismo, fundos de pensão, políticas públicas e lutas de classes. É coordenador do núcleo alagoano pela Auditoria da Dívida Pública.
Fabio Marcelli. Colaborador técnico-profissional do Conselho Nacional de Pesquisa da Itália (Consiglio Nazionale Delle Ricerche). Estuda temas como dívida pública, direito internacional ambiental e povos indígenas.
DIA 11
09h00 – A Luta da Universidade Pública e da Classe Trabalhadora na Argentina e no Brasil
Claudia Baigorria. Docente universitária na província de La Rioja, noroeste da Argentina. Secretária Adjunta da Federação Nacional dos Docentes e Pesquisadores Universitários da Argentina (Conadu Histórica).
Eblin Farage. Secretária-geral do ANDES-SN. Docente da Universidade Federal Fluminense (UFF). Pesquisadora na área de questão urbana, com ênfase na temática de favelas e espaços populares. Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Favelas e Espaços Populares – NEPFE.
14h00 – A Luta das Mulheres Trabalhadoras pelo Aborto Legal, Seguro e Gratuito. 11 de abril. 14h.
Romina Del Plá. Deputada nacional na Argentina pela Frente de Esquerda e dos Trabalhadores (FIT). Professora de educação básica e dirigente do Sindicato Unificado dos Trabalhadores da Educação da Província de Buenos Aires (Suteba), seção de La Matanza. Milita pela legalização do aborto e pela separação do estado e da igreja.
Silvia Camurça. Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), Educadora e Pesquisadora da SOS CORPO – Instituto Feminista para a Democracia.
18h00 – Decomposição e Recomposição da Classe Operária
Ricardo Antunes. Professor Titular de Sociologia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Estuda temas como sociologia do trabalho; nova morfologia do trabalho; trabalho e centralidade; sindicalismo e movimento operário.
Marcelo Badaró. Professor Titular de História do Brasil na Universidade Federal Fluminense (UFF). Tem experiência nas áreas de Metodologia e Teoria da História e de História do Brasil, com ênfase em História do Brasil República e História Social do Trabalho. Atua também nos seguintes temas: história do Brasil recente, história social urbana do Rio de Janeiro e partidos e organizações de esquerda.

Fonte: ANDES-SN – Atualizado em 10 de Abril de 2019 às 18h22

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